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sexta-feira, 26 de abril de 2013

Inspiração para Dia do Goleiro, Manga celebra carreira 'exilado' no Equador

Fonte e fotos: lancenet.com.br


Aos 76 anos, Manga tem as mãos deformadas por causa de fraturas mal curadas ao longo da carreira (Foto: El Universo).

Na arte consagrada pelos pés, eles são os únicos que podem usar as mãos.
O objetivo é cruel e sempre o mesmo: evitar o gol.
Reza a lenda que onde pisam não nasce grama.

No universo particular dos goleiros, Manga foi um gênio debaixo das traves, transformou-se em lenda e, além de ser tratado como ídolo até hoje pelas torcidas do Botafogo, Nacional-URU, Internacional e Barcelona-EQU, onde brilhou intensamente entre 1955 e 1982, inspirou o Dia do Goleiro, celebrado nesta sexta-feira: 26 de abril, data de seu aniversário.

– Construí uma carreira vitoriosa e, acima de tudo, muito respeitada em todos os lugares pelos quais passei. Agradeço todas as homenagens e fico muito feliz de ser lembrado até hoje pelo que fiz em campo com a ajuda dos meus companheiros – afirmou o ex-goleiro, em entrevista ao LANCE!Net.

Haílton Corrêa de Arruda, o Manga, completa hoje 76 anos.
Bem de corpo e de cabeça, leva uma vida simples e tranquila, ao lado da esposa Cecília, no Equador, país onde fixou residência e adquiriu um carregado sotaque espanhol.
As rugas no rosto denunciam a passagem do tempo: craque do passado, porém ainda ídolo no presente. Apesar da idade avançada, o emblemático guarda-metas surpreende ao narrar com facilidade sua vitoriosa trajetória no Brasil e no exterior.

Desde 1957, ano que iniciou para valer sua longa carreira, Manga habitou-se a ser titular, dono absoluto da grande área.
Foram 25 anos vestindo a camisa 1. Com quase todos os dedos das mãos quebrados na disputa das bolas impossíveis, ele era do tipo que gostava de fazer defesas arrojadas.
Imune à dor, dispensava as luvas (assim foi por muito tempo) para voar e catar a “esfera” de couro, sua melhor amiga e fiel companheira.

– Outro Manga não aparecerá nunca mais.
Eu não tinha medo, era corajoso.
Quando eu quebrava um dedo, o doutor me engessava e em três ou quatro dias eu já estava jogando de novo.
Por isso, eu tenho quase todos os dedos tortos.
Essas são as marcas do meu trabalho.

No Nacional-URU, por exemplo, quebrei dois de uma vez só e dias depois fui para o jogo normalmente.
Não gostava de ficar de fora.
Tenho um orgulho muito grande do que fiz na minha carreira.
Sempre fiz o melhor, mesmo que estivesse machucado.

Garoto pobre, vendedor de água e “apanhador” de mangas do quintal alheio, Haílton nasceu em Pernambuco (Recife, 26 de abril de 1937) e foi desde cedo uma curiosa atração nas peladas da Ilha do Leite (PE), pois gostava de se atirar em todas as bolas e já se destacava mais do que os dribladores e goleadores dos terrenos baldios.

A estrela do jovem talento, que contraiu varíola quando criança, começou a brilhar quando foi descoberto por Capuano, olheiro do Sport, clube pelo qual foi revelado, aos 18 anos, em 1955.

– Minha estreia na equipe principal foi em um amistoso contra o Náutico e vencemos aquela partida (5 a 2). Apenas dois anos depois, durante a excursão à Europa e ao Oriente Médio, é que comecei a me firmar como titular.
Lembro que fiz grandes exibições e passei a jogar com regularidade.
Em 1959, recebi o convite do João Saldanha para jogar pelo Botafogo.
Lá, fiquei por quase dez anos e fiz parte de um grande esquadrão.
No Rio, eu tinha um prazer especial em jogar contra o Flamengo.
Também, o Garrincha jogava no meu time.
Preciso dizer mais alguma coisa?

De 1959 a 1968, Manga participou de um dos maiores esquadrões do Botafogo de todos os tempos (Foto: Arquivo/Lance)

No Glorioso, Manga não seria uma estrela solitária.
Ao lado de Garrincha, Nilton Santos e companhia construiu uma sólida história, sendo tetracampeão carioca (1961,1962, 1967 e 1968), campeão da Taça Brasil de 1968, entre outros.
Um time histórico, recheado de craques, que está eternizado em sua memória.
Convocado para a Copa do Mundo de 1966, pelo que fazia no Botafogo, o lendário goleiro jogou apenas uma partida pela Seleção na competição, contra Portugal, ao substituir Gilmar, e não teve sorte.

Os lusitanos comandados por Eusébio levaram a melhor com o placar de 3 a 1, e o Brasil, eliminado, foi mais cedo para casa, assinalando uma de suas piores participações em Mundiais.

Manga, que é considerado até hoje um dos melhores goleiros da história do futebol brasileiro, ficou marcado para sempre, como Barbosa na Copa de 50.

– Nós precisávamos vencer Portugal para continuar na competição.
O estádio estava cheio.
Eu estava muito nervoso.
Foi meu primeiro jogo pela Seleção.
Joguei mal, admito! Falhei em um dos gols, é verdade.
Mas fazer o quê?! A vida é assim. Tinha que levantar a cabeça e dar sequência a minha carreira. Segui fazendo o meu trabalho.

De volta ao Brasil, protagonizou muitas histórias, uma das mais famosas relata uma briga com o técnico João Saldanha.
Na época, o treinador acusou Manga de ter feito “corpo mole” na decisão do Carioca de 1967 (vencida pelo Glorioso por 2 a 1), contra o Bangu, do bicheiro Castor de Andrade.
Revoltado, João apareceu na sede do clube com um revólver para enfrentá-lo, foi o estopim para o fim de um longo casamento entre o camisa 1 e o time de General Severiano em 1968.

– Ele tentou me dar um tiro, e eu tive que pular um muro para fugir.
Depois, ficou tudo bem. Passou! Ao contrário do que muitos falam, não saí de lá por causa desse episódio.
O Nacional é que optou por comprar um goleiro campeão e foi feliz na escolha.
No Uruguai, fui muito bem recebido.
Lá, eu e meus companheiros emplacamos uma série de conquistas importantes.
Fomos tetracampeões uruguaios (1969, 1970, 1971 e 1972), da Libertadores e do Mundial de Clubes de 1971.

Gigante de longevidade, Manguita sempre demonstrou personalidade, jamais aceitou a reserva e foi implacável com seus concorrentes ao posto de guarda-metas.
Todos eles, sem exceção, amargaram o banco ou mudaram de clube.

Uma atitude tão “cruel” que simplesmente arrasou uma safra de grandes goleiros uruguaios de 1969 a 1974.
No Nacional de Montevidéu, sua postura exemplar e profissional assegurou-lhe por muito anos quase como um déspota da camisa 1.
Para ele, todo esforço era pouco para evitar o gol, um trabalho perfeito que tinha um simples e único objetivo: calar o estádio.

– No Nacional, contei com a confiança e respeito de todos.
Vivi, talvez, a melhor fase da minha carreira.
Não existia esse negócio de cláusula especial no contrato, como muitos diziam, para que eu fosse titular em todos os jogos.
Tinha era muito trabalho e treino de segunda à sexta com meus companheiros, dedicação...

No Nacional, o ex-goleiro conquistou títulos importantes e ganhou fama internacional (Foto: Divulgação/Site do Nacional-URU)

Em 1974, retornou ao Brasil por cima, com status de mito, para jogar pelo Internacional. Glórias, aliás, também não faltaram por lá.
Nos três anos que defendeu o Colorado, o lendário jogador foi três vezes campeão estadual  (1974, 1975 e 1976), mas foi pelas grandes defesas no bi brasileiro (1975 e 1976) que para sempre será lembrado.
Manga foi um gigante embaixo das traves nas duas campanhas vitoriosas no campeonato nacional, comprovando a máxima do futebol de que todo time começa com um grande goleiro.
No auge de sua forma, não tinha chute de efeito que o enganasse.

– Qualquer esquadrão que tenha um bom “arquero” (disse em bom espanhol), já entra em campo com uma grande vantagem.
E aquele time era assim.
Naquele período, joguei ao lado de jogadores excepcionais, como Figueroa, Carpegiani, Falcão...
Era um timaço.
Na final do Campeonato Brasileiro de 75, contra o Cruzeiro, em Porto Alegre, fiz a maior defesa da minha vida.
Numa cobrança de falta frontal, o Nelinho colocou um efeito na bola, que saiu da barreira e fez uma curva impressionante para dentro, mas consegui evitar o gol.

Já veteraníssimo, Manga, o Fenômeno, como passou a ser chamado, teve um desentendimento com a diretoria do Colorado e aceitou o desafio de jogar pelo Operário, time que ajudou levar às semifinais do Brasileirão de 1977.

Manguita foi indicado por Castilho, ex-goleiro do Fluminense, que naquela altura era o técnico da equipe e o responsável pelos telefonemas diários para convencê-lo a mudar-se para Mato Grosso do Sul.
Com a ajuda da torcida, o clube conseguiu arrecadar fundos para tornar o sonho possível, garantindo uma atração que transformou o ânimo e a expectativa em torno do modesto time.

– Pela primeira vez na minha carreira, vi esse tipo de mobilização em torno do meu nome. Achei impressionante. Não me importava em jogar num centro menor.
Queria continuar mostrando que eu ainda era um grande goleiro, apesar da idade (40 anos). Ainda tinha fôlego e categoria para dar continuidade a minha carreira.
Podia ajudar.
E também queria recompensar o Operário e os torcedores pela confiança demonstrada.

Nos anos seguintes, ele ainda percorreu outros caminhos e jogou pelo Coritiba e Grêmio, clubes pelo quais foi campeão estadual em 78 e 79, respectivamente, antes de encerrar a carreira, aos 44 anos, em 1982, no Barcelona de Guayaquil-EQU, onde a torcida lhe reservava tratamento de semideus por causa da conquista do Campeonato Equatoriano de 1981.
Na agremiação, inclusive, começou a trabalhar como treinador de goleiros e tem orgulho do que fez.
Um de seus pupilos é Cevallos, que ganhou fama na LDU, campeã da Libertadores de 2008, contra o Fluminense.

– Fui bastante respeitado no Equador. Tive qualidade, tranquilidade e confiança para desempenhar meu papel.
Trabalhava duro.
Por isso, parei tão tarde.
Quando entrava em campo, meu objetivo era dar alegria a torcida do time que eu defendia.
E evitar, obviamente, aquilo que as torcidas rivais queriam ver: o gol.
A idade nunca me pesou.
Jogar ao lado de grandes atletas também facilitou bastante o prolongamento da minha carreira.

– Quando senti que já tinha dado minha contribuição ao futebol como atleta, resolvi parar e virei treinador de goleiros no Barcelona de Guayaquil.
No Equador, revelei de 10 a 15 meninos.
Cevallos, Carlos Morales e Espinoza, por exemplo, foram treinados por mim e chegaram à seleção equatoriana.
É sinal de que fiz um bom trabalho – completou.

Já usando luvas, Manga alcançou o tri estadual e o bi brasileiro pelo Inter (Foto: Divulgação/Museu do Internacional)

Manga parou de jogar, mas continuou na área, ensinando a arte de ser um verdadeiro camisa 1 para jovens equatorianos e americanos (trabalhou por dez anos em Little Havana, em Miami-EUA).
Depois de quase 30 anos fazendo carreira no exterior, o desemprego bateu à sua porta, quando foi dispensado pelo Barcelona-EQU no fim de 2009, e ele começou a nutrir o sonho de voltar a sua pátria.

Em abril de 2010, dias antes do seu aniversário de 73 anos, acertou seu retorno ao Internacional.

O ex-jogador assumiu a coordenação da preparação de goleiros das categorias de base e foi uma espécie de "embaixador", viajando pelo Sul a fim de buscar novos sócios para o Colorado.
Apesar de estar feliz no cargo, pediu desligamento do clube dois anos depois para regressar ao Equador e ficar com a família.
A lenda parou definitivamente.

Sem ressentimentos, entende que a aposentadoria foi uma consequência normal da vida. Hoje, mora em Salinas, na província de Santa Elena (a 540 quilômetros da capital Quito), onde é tratado como mito.

Dia do Goleiro
A ideia de criar uma data para homenagear os goleiros foi do tenente Raul Carlesso e do capitão Reginaldo Pontes Bielinski, professores da Escola de Educação Física do Exército do Rio de Janeiro, e surgiu na metade da década de 70.

No início, porém, o dia era outro: 14 de abril, quando foi comemorado pela primeira vez, em 1975, com uma festa reunindo goleiros, ex-goleiros e personalidades ligadas ao futebol, na Cidade Maravilhosa.

A partir de 1976, definiu-se 26 de abril, dia do aniversário de Manga, que aos 39 anos sagrou-se bicampeão brasileiro pelo Internacional no fim daquele mesmo ano, como a data oficial: o Dia do Goleiro.

– Fiquei muito honrado quando soube dessa homenagem.
Naquela época mais ou menos, existiam grandes goleiros no futebol brasileiro, como o Gilmar (do Santos e da Seleção) e o Castilho (do Fluminense).

Mesmo assim, consegui me destacar, mostrei minhas qualidades embaixo das traves e ganhei o respeito de todos.

O Dia do Goleiro foi apenas um reconhecimento ao meu esforço, meu trabalho, como exemplo de atleta da posição.

Espero que essa data fique marcada realmente como uma grande homenagem a todos os goleiros do Brasil, e não somente a mim.

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