Fonte e fotos: lancenet.com.br
– Fiquei muito honrado quando soube dessa
homenagem.
Naquela época mais ou menos, existiam grandes goleiros no futebol brasileiro, como o Gilmar (do Santos e da Seleção) e o Castilho (do Fluminense).
Mesmo assim, consegui me destacar, mostrei minhas qualidades embaixo das traves e ganhei o respeito de todos.
O Dia do Goleiro foi apenas um reconhecimento ao meu esforço, meu trabalho, como exemplo de atleta da posição.
Espero que essa data fique marcada realmente como uma grande homenagem a todos os goleiros do Brasil, e não somente a mim.
Aos 76 anos, Manga tem as mãos
deformadas por causa de fraturas mal curadas ao longo da carreira (Foto: El
Universo).
Na arte consagrada pelos pés,
eles são os únicos que podem usar as mãos.
O objetivo é cruel e sempre o mesmo:
evitar o gol.
Reza a lenda que onde pisam não nasce grama.
No universo
particular dos goleiros, Manga foi um gênio debaixo das traves, transformou-se
em lenda e, além de ser tratado como ídolo até hoje pelas torcidas do Botafogo,
Nacional-URU, Internacional e Barcelona-EQU, onde brilhou intensamente entre
1955 e 1982, inspirou o Dia do Goleiro, celebrado nesta sexta-feira: 26 de
abril, data de seu aniversário.
– Construí uma carreira vitoriosa
e, acima de tudo, muito respeitada em todos os lugares pelos quais passei.
Agradeço todas as homenagens e fico muito feliz de ser lembrado até hoje pelo
que fiz em campo com a ajuda dos meus companheiros – afirmou o ex-goleiro, em
entrevista ao LANCE!Net.
Haílton Corrêa de Arruda, o
Manga, completa hoje 76 anos.
Bem de corpo e de cabeça, leva uma vida simples e
tranquila, ao lado da esposa Cecília, no Equador, país onde fixou residência e
adquiriu um carregado sotaque espanhol.
As rugas no rosto denunciam a passagem do tempo: craque do passado,
porém ainda ídolo no presente. Apesar da idade avançada, o emblemático
guarda-metas surpreende ao narrar com facilidade sua vitoriosa trajetória no
Brasil e no exterior.
Desde 1957, ano que iniciou para
valer sua longa carreira, Manga habitou-se a ser titular, dono absoluto da
grande área.
Foram 25 anos vestindo a camisa 1. Com quase todos os dedos das
mãos quebrados na disputa das bolas impossíveis, ele era do tipo que gostava de
fazer defesas arrojadas.
Imune à dor, dispensava as luvas (assim foi por muito
tempo) para voar e catar a “esfera” de couro, sua melhor amiga e fiel
companheira.
– Outro Manga não aparecerá nunca
mais.
Eu não tinha medo, era corajoso.
Quando eu quebrava um dedo, o doutor me
engessava e em três ou quatro dias eu já estava jogando de novo.
Por isso, eu
tenho quase todos os dedos tortos.
Essas são as marcas do meu trabalho.
No
Nacional-URU, por exemplo, quebrei dois de uma vez só e dias depois fui para o
jogo normalmente.
Não gostava de ficar de fora.
Tenho um orgulho muito grande
do que fiz na minha carreira.
Sempre fiz o melhor, mesmo que estivesse
machucado.
Garoto pobre, vendedor de água e
“apanhador” de mangas do quintal alheio, Haílton nasceu em Pernambuco (Recife,
26 de abril de 1937) e foi desde cedo uma curiosa atração nas peladas da Ilha
do Leite (PE), pois gostava de se atirar em todas as bolas e já se destacava
mais do que os dribladores e goleadores dos terrenos baldios.
A estrela do
jovem talento, que contraiu varíola quando criança, começou a brilhar quando
foi descoberto por Capuano, olheiro do Sport, clube pelo qual foi revelado, aos
18 anos, em 1955.
– Minha estreia na equipe
principal foi em um amistoso contra o Náutico e vencemos aquela partida (5 a
2). Apenas dois anos depois, durante a excursão à Europa e ao Oriente Médio, é
que comecei a me firmar como titular.
Lembro que fiz grandes exibições e passei
a jogar com regularidade.
Em 1959, recebi o convite do João Saldanha para jogar
pelo Botafogo.
Lá, fiquei por quase dez anos e fiz parte de um grande
esquadrão.
No Rio, eu tinha um prazer especial em jogar contra o Flamengo.
Também,
o Garrincha jogava no meu time.
Preciso dizer mais alguma coisa?
De 1959 a 1968, Manga participou
de um dos maiores esquadrões do Botafogo de todos os tempos (Foto:
Arquivo/Lance)
No Glorioso, Manga não seria uma
estrela solitária.
Ao lado de Garrincha, Nilton Santos e companhia construiu
uma sólida história, sendo tetracampeão carioca (1961,1962, 1967 e 1968), campeão da Taça Brasil de 1968, entre outros.
Um time histórico, recheado de
craques, que está eternizado em sua memória.
Convocado para a Copa do Mundo de
1966, pelo que fazia no Botafogo, o lendário goleiro jogou apenas uma partida
pela Seleção na competição, contra Portugal, ao substituir Gilmar, e não teve
sorte.
Os lusitanos comandados por
Eusébio levaram a melhor com o placar de 3 a 1, e o Brasil, eliminado, foi mais
cedo para casa, assinalando uma de suas piores participações em Mundiais.
Manga, que é considerado até hoje um dos melhores goleiros da história do
futebol brasileiro, ficou marcado para sempre, como Barbosa na Copa de 50.
– Nós precisávamos vencer
Portugal para continuar na competição.
O estádio estava cheio.
Eu estava muito
nervoso.
Foi meu primeiro jogo pela Seleção.
Joguei mal, admito! Falhei em um
dos gols, é verdade.
Mas fazer o quê?! A vida é assim. Tinha que levantar a
cabeça e dar sequência a minha carreira. Segui fazendo o meu trabalho.
De volta ao Brasil, protagonizou
muitas histórias, uma das mais famosas relata uma briga com o técnico João
Saldanha.
Na época, o treinador acusou Manga de ter feito “corpo mole” na decisão
do Carioca de 1967 (vencida pelo Glorioso por 2 a 1), contra o Bangu, do
bicheiro Castor de Andrade.
Revoltado, João apareceu na sede do clube com um
revólver para enfrentá-lo, foi o estopim para o fim de um longo casamento entre
o camisa 1 e o time de General Severiano em 1968.
– Ele tentou me dar um tiro, e eu
tive que pular um muro para fugir.
Depois, ficou tudo bem. Passou! Ao contrário
do que muitos falam, não saí de lá por causa desse episódio.
O Nacional é que
optou por comprar um goleiro campeão e foi feliz na escolha.
No Uruguai, fui
muito bem recebido.
Lá, eu e meus companheiros emplacamos uma série de
conquistas importantes.
Fomos tetracampeões uruguaios (1969, 1970, 1971 e
1972), da Libertadores e do Mundial de Clubes de 1971.
Gigante de longevidade, Manguita
sempre demonstrou personalidade, jamais aceitou a reserva e foi implacável com
seus concorrentes ao posto de guarda-metas.
Todos eles, sem exceção, amargaram
o banco ou mudaram de clube.
Uma atitude tão “cruel” que simplesmente arrasou
uma safra de grandes goleiros uruguaios de 1969 a 1974.
No Nacional de
Montevidéu, sua postura exemplar e profissional assegurou-lhe por muito anos
quase como um déspota da camisa 1.
Para ele, todo esforço era pouco para evitar
o gol, um trabalho perfeito que tinha um simples e único objetivo: calar o
estádio.
– No Nacional, contei com a
confiança e respeito de todos.
Vivi, talvez, a melhor fase da minha carreira.
Não existia esse negócio de cláusula especial no contrato, como muitos diziam,
para que eu fosse titular em todos os jogos.
Tinha era muito trabalho e treino
de segunda à sexta com meus companheiros, dedicação...
No Nacional, o ex-goleiro
conquistou títulos importantes e ganhou fama internacional (Foto:
Divulgação/Site do Nacional-URU)
Em 1974, retornou ao Brasil por
cima, com status de mito, para jogar pelo Internacional. Glórias, aliás, também
não faltaram por lá.
Nos três anos que defendeu o Colorado, o lendário jogador
foi três vezes campeão estadual (1974,
1975 e 1976), mas foi pelas grandes defesas no bi brasileiro (1975 e 1976) que
para sempre será lembrado.
Manga foi um gigante embaixo das traves nas duas
campanhas vitoriosas no campeonato nacional, comprovando a máxima do futebol de
que todo time começa com um grande goleiro.
No auge de sua forma, não tinha
chute de efeito que o enganasse.
– Qualquer esquadrão que tenha um
bom “arquero” (disse em bom espanhol), já entra em campo com uma grande
vantagem.
E aquele time era assim.
Naquele período, joguei ao lado de jogadores
excepcionais, como Figueroa, Carpegiani, Falcão...
Era um timaço.
Na final do
Campeonato Brasileiro de 75, contra o Cruzeiro, em Porto Alegre, fiz a maior
defesa da minha vida.
Numa cobrança de falta frontal, o Nelinho colocou um
efeito na bola, que saiu da barreira e fez uma curva impressionante para
dentro, mas consegui evitar o gol.
Já veteraníssimo, Manga, o
Fenômeno, como passou a ser chamado, teve um desentendimento com a diretoria do
Colorado e aceitou o desafio de jogar pelo Operário, time que ajudou levar às
semifinais do Brasileirão de 1977.
Manguita foi indicado por Castilho,
ex-goleiro do Fluminense, que naquela altura era o técnico da equipe e o
responsável pelos telefonemas diários para convencê-lo a mudar-se para Mato
Grosso do Sul.
Com a ajuda da torcida, o clube conseguiu arrecadar fundos para
tornar o sonho possível, garantindo uma atração que transformou o ânimo e a
expectativa em torno do modesto time.
– Pela primeira vez na minha
carreira, vi esse tipo de mobilização em torno do meu nome. Achei impressionante.
Não me importava em jogar num centro menor.
Queria continuar mostrando que eu
ainda era um grande goleiro, apesar da idade (40 anos). Ainda tinha fôlego e
categoria para dar continuidade a minha carreira.
Podia ajudar.
E também queria
recompensar o Operário e os torcedores pela confiança demonstrada.
Nos anos seguintes, ele ainda
percorreu outros caminhos e jogou pelo Coritiba e Grêmio, clubes pelo quais foi
campeão estadual em 78 e 79, respectivamente, antes de encerrar a carreira, aos
44 anos, em 1982, no Barcelona de Guayaquil-EQU, onde a torcida lhe reservava
tratamento de semideus por causa da conquista do Campeonato Equatoriano de
1981.
Na agremiação, inclusive, começou a trabalhar como treinador de goleiros
e tem orgulho do que fez.
Um de seus pupilos é Cevallos, que ganhou fama na
LDU, campeã da Libertadores de 2008, contra o Fluminense.
– Fui bastante respeitado no
Equador. Tive qualidade, tranquilidade e confiança para desempenhar meu papel.
Trabalhava duro.
Por isso, parei tão tarde.
Quando entrava em campo, meu
objetivo era dar alegria a torcida do time que eu defendia.
E evitar,
obviamente, aquilo que as torcidas rivais queriam ver: o gol.
A idade nunca me
pesou.
Jogar ao lado de grandes atletas também facilitou bastante o prolongamento
da minha carreira.
– Quando senti que já tinha dado
minha contribuição ao futebol como atleta, resolvi parar e virei treinador de
goleiros no Barcelona de Guayaquil.
No Equador, revelei de 10 a 15 meninos.
Cevallos, Carlos Morales e Espinoza, por exemplo, foram treinados por mim e
chegaram à seleção equatoriana.
É sinal de que fiz um bom trabalho – completou.
Já usando luvas, Manga alcançou o
tri estadual e o bi brasileiro pelo Inter (Foto: Divulgação/Museu do
Internacional)
Manga parou de jogar, mas
continuou na área, ensinando a arte de ser um verdadeiro camisa 1 para jovens
equatorianos e americanos (trabalhou por dez anos em Little Havana, em
Miami-EUA).
Depois de quase 30 anos fazendo carreira no exterior, o desemprego
bateu à sua porta, quando foi dispensado pelo Barcelona-EQU no fim de 2009, e
ele começou a nutrir o sonho de voltar a sua pátria.
Em abril de 2010, dias antes do
seu aniversário de 73 anos, acertou seu retorno ao Internacional.
O ex-jogador
assumiu a coordenação da preparação de goleiros das categorias de base e foi
uma espécie de "embaixador", viajando pelo Sul a fim de buscar novos
sócios para o Colorado.
Apesar de estar feliz no cargo, pediu desligamento do
clube dois anos depois para regressar ao Equador e ficar com a família.
A lenda
parou definitivamente.
Sem ressentimentos, entende que a
aposentadoria foi uma consequência normal da vida. Hoje, mora em Salinas, na
província de Santa Elena (a 540 quilômetros da capital Quito), onde é tratado
como mito.
Dia do Goleiro
A ideia de criar uma data para homenagear os
goleiros foi do tenente Raul Carlesso e do capitão Reginaldo Pontes
Bielinski, professores da Escola de Educação Física do Exército do Rio de
Janeiro, e surgiu na metade da década de 70.
No início, porém, o dia era outro: 14 de abril, quando foi
comemorado pela primeira vez, em 1975, com uma festa reunindo goleiros,
ex-goleiros e personalidades ligadas ao futebol, na Cidade Maravilhosa.
A
partir de 1976, definiu-se 26 de abril, dia do aniversário de Manga, que aos 39
anos sagrou-se bicampeão brasileiro pelo Internacional no fim daquele mesmo
ano, como a data oficial: o Dia do Goleiro.
Naquela época mais ou menos, existiam grandes goleiros no futebol brasileiro, como o Gilmar (do Santos e da Seleção) e o Castilho (do Fluminense).
Mesmo assim, consegui me destacar, mostrei minhas qualidades embaixo das traves e ganhei o respeito de todos.
O Dia do Goleiro foi apenas um reconhecimento ao meu esforço, meu trabalho, como exemplo de atleta da posição.
Espero que essa data fique marcada realmente como uma grande homenagem a todos os goleiros do Brasil, e não somente a mim.
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