Itacaré, BA (Musibol) - Membro do Comitê Popular da Copa no
Distrito Federal, o economista Francisco Carneiro acredita que a destruição do
boneco que ficou conhecido como mascote da Copa e estava instalado na Esplanada
dos Ministérios, em Brasília, pode ter sido um ato de revolta motivado pelas
concessões que os governos têm feito às entidades e empresas envolvidas na organização
da Copa do Mundo de 2014. Segundo ele, muitos veem essas “aberturas” como
desperdício de dinheiro público.
"É difícil imaginar o que de fato levou quem fez isso a
agir assim porque não conhecemos as pessoas. O comitê não se responsabiliza
pelo ato, mas longe de mim classificar precipitadamente o que aconteceu como
mero vandalismo. Para mim, foi uma crítica, isso sim", disse Carneiro à
Agência Brasil. De acordo com ele, o comitê brasiliense planejava fazer um
protesto para chamar a atenção dos brasilienses para o que chama de “deturpação
de prioridades”: o alto investimento no evento esportivo em detrimento de
recursos para áreas necessárias à população. O ato aconteceria no local onde o
boneco estava até ser destruído por um grupo ainda não identificado, na
madrugada da última terça-feira (9).
Diferentemente do mascote apresentado pelo Comitê Gestor da
Copa, que usava uniforme branco com os dizeres “Brasil 2014”, o boneco inflável
instalado na Esplanada usava uma blusa vermelha com o símbolo da Coca-Cola,
patrocinadora oficial do evento esportivo.
Carneiro critica a utilização de espaços públicos por
entidades privadas que querem fazer ações promocionais. "Se por um lado a
estratégia de marketing da empresa [responsável pelo boneco, a Coca-Cola] mexe
com os sentimentos positivos que a realização da Copa no Brasil desperta em
alguns, também mexe com os sentimentos negativos que os impactos do evento
causam em outras pessoas", disse Carneiro, citando estimativas de que,
entre financiamentos de grandes obras, isenções de impostos e custos posteriores,
o custo da realização do torneio para os cofres públicos brasileiros possa
chegar a R$ 100 bilhões.
"É uma coisa absurda para um evento que não vai durar
nem um mês e cujos benefícios concretos para a população são incertos. Por isso
acho natural que uma pessoa que perca um parente por causa das péssimas
condições de um hospital público questione a falta de prioridades, o fato de o
dinheiro que está sendo gasto em estádios deixar de ser investido para resolver
o problema da saúde, por exemplo", acrescentou o economista.
Comitês semelhantes ao do Distrito Federal funcionam, com
maior ou menor participação, em cada uma das 12 cidades-sede dos jogos. Cada
comitê local reúne representantes de entidades como associações, sindicatos,
universidades, estudantes e movimentos sociais para monitorar e discutir os
impactos da Copa e ajudar a organizar a resistência dos grupos prejudicados
pelas obras ou iniciativas necessárias à realização do megaevento esportivo no
país. A articulação nacional do movimento mantém uma página na internet com
informações sobre possíveis impactos provocados pelas obras e ações do grupo.
Segundo os comitês, cerca de 170 mil pessoas de todo o país
podem ser removidas de suas casas para ceder espaço às obras de infraestrutura.
"O processo de remoção é gravíssimo. Muitas dessas pessoas já estão sendo
removidas sem o devido respeito à lei, recebendo indenizações parcas ou
simplesmente não recebendo nada. Outras vão ser transferidas de suas casas para
lugares distantes, sem equipamentos públicos".
Informado de que o Instituto do Patrimônio Histórico e
Artístico Nacional (Iphan) não autorizou a instalação do boneco em Brasília,
cidade tombada e reconhecida como Patrimônio Cultural da Humanidade, Carneiro
criticou o governo do Distrito Federal (GDF) que, segundo ele, demonstra, com o
episódio, o compromisso com a “privatização dos espaços públicos”. O GDF
autorizou a instalação do boneco inflável por considerar a ação promocional
relevante para motivar a participação popular no evento.
"Fazer isso desrespeitando a avaliação do Iphan e o
tombamento da área demonstra o compromisso do GDF com a privatização dos
espaços públicos, com o favorecimento dos grandes monopólios e da especulação
imobiliária”, criticou.
“Se o GDF quer engajar a população, estimular a maior
participação no evento, que abra instâncias para a discussão sobre os
investimentos públicos que estão sendo feitos em obras que muitos consideram
irrelevantes, como a construção de grandes estádios. Que nos permita discutir
os milhões gastos em publicidade e que deixam de ir para outras ações muito
mais importantes. Infelizmente, é para isso que a desculpa da Copa vem
servindo", completou o economista.
Após comentar, em nota, que autorizou a
instalação do boneco na Esplanada dos Ministérios por considerar a relevância
da iniciativa para o Brasil e para a capital federal, que ganhará com a
exposição proporcionada pelo evento esportivo, o governo do Distrito Federal
não quis responder às críticas de Carneiro.
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