Por: Thaís Antonio. Fonte: Agência Brasil
Fotos: api.ning.com / 2.bp.blogspot.com / portalodia.com
Edição:
Jorge Luiz da Silva
Salvador,
BA (da redação Itinerante do Blog MUSIBOL)
Desde 1981 intelectuais negros vão ao município de União dos
Palmares (AL), no dia 20 de novembro, para subir a Serra da Barriga e visitar o
local onde existiu o Quilombo dos Palmares e viveu um dos maiores líderes
negros, Zumbi dos Palmares. O movimento cresceu e hoje o topo de um dos montes
da serra atraiu, este ano, cerca de 10 mil peregrinos para a chamada Meca
negra.
A programação começou com a limpeza espiritual do quilombo.
Religiosos de matriz africana deram um banho de cheiro no local e depois
receberam dezenas de capoeiristas para um café da manhã. Reunidos em um cortejo
sagrado, levaram uma coroa de flores amarelas e brancas até a estátua de Zumbi.
A reverência ao herói nacional vinha de todos os lados. “Eu
não poderia ser uma pessoa resistente se não existisse Zumbi dos Palmares. Toda
gente negra brasileira tem nele aquele marco da resistência contra a
discriminação e a segregação”, destacou o presidente da Fundação Cultural
Palmares, Hilton Cobra.
Para a religiosa Cintia Santana, Zumbi começou a reconstruir
a autoestima negra, perdida na travessia dos navios negreiros abarrotados de
africanos escravizados. “O Zumbi, para nós que somos negros, foi uma quebra
para sabermos hoje que temos identidade. Nós somos o que somos porque pessoas
como ele lutaram pela nossa identidade, pela nossa cor, pela nossa raça”, diz.
“Chegamos aqui no
Brasil forçados e começamos a trabalhar para os engenhos. Não
tínhamos valor e ele mostrou que o negro tem valor.”
O mestre de capoieira Juscenildo Barreto da Silva, conhecido
como mestre Veneno, aproveitou o dia fazer o que sabe. Na roda, entre um golpe
e outro, deu seu depoimento: “o rei Zumbi é praticamente o nosso advogado, que
lutou pela gente e morreu pela gente. Isso é muito importante para nós
capoeiristas. Todos os dias, nas nossas escolas de capoeira, nas nossas
vivências, a gente fala no rei Zumbi".
Foi no dia 20 de novembro de 1695 que morreu Zumbi, herói
nacional perseguido por tropas do governo por lutar pela liberdade dos negros escravizados,
trazidos da África para o Brasil. O Quilombo dos Palmares é um símbolo
histórico dessa luta. Com mais de 200 quilômetros de extensão, ocupou uma área
que ia de Pernambuco a Alagoas. Ali, negros e negras que não suportavam as
regras da chibata se refugiaram desde o fim do século 16. Os historiadores
acreditam que o Quilombo dos Palmares durou mais de um século.
A história desse local um tanto místico, um tanto símbolo de
resistência não é totalmente clara. O pouco que se sabe foi contado na versão
dos colonizadores. O pesquisador da Universidade Federal de Alagoas, Zezito de
Araújo, explica que a imagem de Zumbi como herói é uma construção recente.
“Zumbi tem vários momentos no escrever da história brasileira. Primeiro ele não
existia. Quando ele começou a existir, ele passou a ser considerado um suicida.
Com isso, você descaracteriza esse grande herói que ele é, porque o
desqualifica como tal”, reforça.
A partir da década de 1970, em consequência da militância do
movimento negro, Zumbi passou a ter uma nova conotação: ele se tornou um herói,
um guerreiro que liderou a revolta dos quilombolas. Para a professora Clara
Suassuna, diretora do Núcleo de Estudos Afro-brasileiros da Universidade
Federal de Alagoas, a simbologia do herói Zumbi é muito forte.
Ela conta uma história que ouviu na Serra da Barriga, o local
onde fica o Quilombo dos Palmares. “Eu entrevistei uma senhora na serra da
barriga e ela disse que o negro Zumbi toda noite batia na porta da casa dela”.
Por mais que o filho mostrasse a mãe que o barulho na porta era provocado por
uma coruja, a mãe não se conformava: “eu sei a diferença entre coruja e
Zumbi’”, conta. Com isso na cabeça, foi conversar com o professor Kabengele
Munanga, da Faculdade de Filosofia Letras e Ciências Humanas, da Universidade
de São Paulo. “Ele me lembrou que os grandes espíritos se incorporam nos
animais. Isso é uma prática de diversos lugares da África, da cultura indígena
e isso tem um poder simbólico muito grande”, resumiu Munanga.
Clara Suassuna destacou que a história de Zumbi precisa ser
tratada com mais respeito. “A gente não tem relatos escritos pelos próprios
negros. Eu acho que ainda precisa muito estudo para a gente poder esclarecer e
montar uma história de Zumbi de forma mais respeitosa, porque durante muito
tempo ele foi machucado e só agora está sendo recuperado com a dignidade que
merece”, diz.
Edição: Marcos Chagas
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