Por: Flávia Villela. Fonte: Agência Brasil.
Salvador, BA (da redação
Itinerante do Blog MUSIBOL)
Foto: 4.bp.blogspot.com
Arqueólogos lamentam a falta de acesso, por parte dos brasileiros, a
bens arqueológicos e à história que os cercam. Para o professor da Universidade
Estadual de Campinas (Unicamp), o arqueólogo Pedro Paulo Abreu Funari, a
divulgação de informações sobre artefatos ligados a pré-história e às culturas
indígenas e afro-brasileiras é incipiente no Brasil, o que gera desconhecimento
do que realmente seja a arqueologia e sua utilidade.
“Quando você vê um edifício, uma pirâmide, um vaso de cerâmica, você tem
uma visão do passado mais fácil de ser acessada e de ser sentida do que a
história narrada apenas oralmente. A materialidade da arqueologia ajuda também
as pessoas a refletirem sobre as criações e comportamentos humanos”.
Foto: folhacidade.net |
Funari lembrou que a arqueologia está geralmente associada a
pesquisadores aventureiros e grandes monumentos de países distantes. “Se você
perguntar a qualquer um na rua, ninguém vai saber o que é um sambaqui, por
exemplo”, ponderou ele, em referência às montanhas formadas por conchas,
utensílios e restos de alimentos, habitadas por povos no litoral do Brasil,
entre nove e três mil anos atrás.
Ele ressaltou que não basta estudar o material encontrado. “Ele precisa
ser socializado, sobretudo, para a comunidade onde esse material foi
encontrado. A população local precisa saber que ali existiu uma fazenda, uma
tribo indígena, que usavam tais tipos de ponta de flecha para caçar etc”.
A opinião do professor da Unicamp é compartilhada pela diretora do
Centro Nacional de Arqueologia do Instituto do Patrimônio Histórico e Nacional
(Iphan), Rosana Najaar. Ela lembrou da indignação que sentiu ao ver o desenho
de um índio norte-americano apache para ilustrar a cultura indígena brasileira
em um livro de história do filho: “As crianças não aprendem arqueologia na
escola, nem aprendem direito o papel sobre quem estava aqui antes dos
portugueses chegarem, os índios. Então fica muito difícil convencer o cidadão
brasileiro de que é importante preservar um caco de cerâmica”, lamentou Rosana.
“Não basta divulgar, precisamos educar. E formar os educadores. Os grandes
projetos de educação patrimonial são de longa duração,” declarou ela.
Rosana explicou que o Iphan vem buscando, em parceria com o Ministério
da Educação, integrar cada vez mais a arqueologia à educação dos brasileiros.
“Faz-se arqueologia no Brasil desde os anos 50, o problema é que esse
conhecimento não sai do Iphan, não sai da comunidade de arqueologia, mas
pretendemos ampliar o canal de divulgação, produzir um conteúdo adequado para
os livros didáticos e fomentar esse conhecimento”, explicou.
Para a diretora do Museu Nacional da Universidade Federal do Rio de
Janeiro (UFRJ), Claudia Rodrigues Carvalho, a arqueologia permite a
continuidade da memória social de uma cultura. “Tudo o que somos, o que fazemos
tem uma conexão direta com nossas experiências. Nossas lembranças pessoais
definem parte do que somos”, disse ela. “Num país construído e marcado pela
colonização, temos dificuldade de reconhecer parte importante de nosso passado
como nossa própria herança, mas ela existe. A arqueologia tem papel fundamental
na recuperação dessa identidade e dessa noção de pertencimento”.
Imagem: comciencia.br
A especialista em sambaquis, Madu Gaspar, do Museu Nacional, defende que
os pesquisadores sejam estimulados a contribuir para a produção de livros
didáticos. “Existe uma certa ruptura entre a comunidade acadêmica e a produção
de livros escolares no Brasil. Somos avaliados pela produção acadêmica,
especialmente, em meios de divulgação internacionais, quando deveríamos ser
instados a produzir conhecimento para as escolas e ganhar uma pontuação
especial por isso”. A arqueóloga acredita que a elaboração de todos os livros
didáticos deveria ser assessorados por um conselho consultor com especialistas
nos assuntos abordados. “Alguns erros encontrados nesses livros são absurdos”,
lamentou ela.
Outra demanda dos arqueólogos é que seja criada uma disciplina para o
estudo da arqueologia nos cursos de pedagogia, para que os futuros professores
possam passar esse conhecimento nas escolas.
Para a vice-presidente da Sociedade de Arqueologia Brasileira, Marcia
Bezerra, embora o número de exposições de artefatos arqueológicos seja ainda
pequeno no país, nos últimos dez anos essa realidade vem mudando, desde a
criação da Portaria 230/2002 do Iphan que trata dos projetos arqueológicos e
recomenda um trabalho de educação patrimonial. “Vimos uma multiplicação de
projetos educativos envolvendo patrimônio arqueológico no Brasil inteiro. Esses
projetos geralmente se dão nas escolas locais, muitas vezes se desdobram na
organização de pequenas exposições, na construção de museus regionais ou
locais, elaboração de materiais didáticos distribuídos nas redes de ensino, uma
série de ações educativas que nos últimos anos cercam a arqueologia brasileira”.
Marcia, que também trabalha no Iphan como coordenadora de Normas e
Acautelamentos, apontou que o resgate do passado por meio da arqueologia tem
gerado legitimações de identidades e reivindicações de direitos na região. “Tem
sido muito interessante ver nas últimas décadas na América Latina, mas também
no Brasil, comunidades que se apropriam do patrimônio arqueológico e desse
passado para reivindicar direitos a cidadania e a territórios, como é o caso
dos coletivos indígenas”.
Marcia comemora o fato de que alguns sítios arqueológicos empoderaram
comunidades tradicionais que atualmente não apenas se apropriaram do patrimônio
como também buscam produzir seus próprios discursos e narrativas sobre a
história deles e do local onde habitam. “São histórias que têm tanta
importância quanto as histórias que nós pesquisadores contamos, elas só operam
em uma outra lógica”, explica a arqueóloga. “Então o esforço da arqueologia
contemporânea é fazer com que as narrativas das comunidades de origem e da
ciência possam estabelecer um diálogo”, completou.
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